Acabou o “rouba, mas faz”? (ou: Será que Maquiavel seria o próximo presidente do Brasil?)

Vejo uma notícia no site Brasil 247, estampada com letras garrafais, que me chama a atenção:

O FENÔMENO “MALUSSERRA”: 52% DE REJEIÇÃO, COM A IMPRENSA A FAVOR

A notícia, essencialmente, diz que Serra está mais associado a Maluf que Haddad – o que talvez esteja correto – mas que o principal fator para sua rejeição poderia bem ser o apoio que a Velha mídia (leia-se PIG: Folha, Estadão e Veja, entre outros) lhe dá – o que, suponho, está bastante, mas não completamente, errado.

O pobre injustiçado, na visão cínica e retrógrada da Veja.

Olhemos a capa da Veja. Ela nos dá todas os elementos essenciais para, em parte, compreendermos a impopularidade de Kassab (e de Serra, padrinho político-ideológico de Kassab): anda de helicóptero, distanciando-se da realidade da população, que mal consegue andar de ônibus, cuja tarifa quase dobrou em sua gestão, não criou corredores de ônibus, e gastou dinheiro em estações de metrô que nunca saíram do papel, acentuando o caos que é o trânsito de São Paulo dia e noite.

Acho, no entanto, que o Brasil 247 peca pela falta de contextualização e uma análise mais profunda. Na necessidade de produzir uma análise de 40 linhas em caracteres X de tamanho Y, perde profundidade e só deixa espaço para a parcialidade. Qual o contexto? Ora, estamos em uma situação de várias nuances, todas elas devidamente ignoradas pela matéria do Brasil 247. Creio que estamos entrando em uma era em que, se Maquiavel fosse candidato a presidente (nossa presidenta disse que é seu livro de cabeceira, uma frase que merece muita consideração), acabaria sendo praticamente um reinado.

Explico-me. Claro que a internet acelerou a disseminação de informações que nunca seriam veiculadas pela Velha Mídia. Isso não quer dizer que as entidades que dele fazem parte percam influência; me parece que a questão central, aqui, seja que as informações destes meios estão livremente disponíveis na internet em seus sites. Hoje lemos a Folha, a Veja, o Estadão e a Época “digrátis”, com as matérias mais e menos relevantes disponíveis apenas para assinantes. Estas própria entidades reconhecem que o futuro do meio impresso é certo: o caixão. O problema é que ainda não se deram conta que o modelo de faturamento com esse mercado não é mais o de pagar, uma vez que blogs como o do Nassif estão aí, abertos a quem queira lê-lo sem pagar. Então, não acho que haja uma real rejeição à Velha Mídia, uma vez que seus próprios detratores, eu incluso, valem-se de suas reportagens online até mesmo para disseminar informações.

A explicação, em minha opinião, parece estar mais no contexto político que no midiático. Lembremos do começo do governo Dilma. Ela aproximou-se da Velha Mídia, com carinhos e afagos, e os jornalões e revistonas prontamente se aproveitaram disso, achando que podiam deitar e rolar. Começou a caça às bruxas contra os ministros, que em sua maioria ainda indicados por Lula para deleite destes monstros midiáticos, foram caindo um a um. A coisa foi correndo sem sinais de que haveria um freio até Pimentel, que Dilma levava em alta consideração pessoalmente. Aí houve um basta, e a Velha Mídia entendeu o recado. Pararam, então, as denúncias.

Qual o elemento principal que podemos retirar deste episódio, para adicionar contexto ao assunto deste post? Dilma “deixou claro” que não haveria conivência com a corrupção em seu governo. Ora, a corrupção é algo endêmico em nosso país, algo que existe desde que o Brasil república é Brasil república, e nossa tolerância com este fenômeno é já um instinto atávico, tal como o dos gatos e cachorros, que quando fazem suas necessidades, escavam a terra para cobri-las. A merda está lá, é inevitável e nada vai fazê-la desaparecer, no imaginário nacional.

Basta entrar em qualquer fila de serviço público ou banco, que o Robin Hood indignado coletivo que existe dentro de cada um de nós desperta: passamos as horas reclamando indignada mas inocuamente do problema e de tudo que lhe possa ser aparentemente relacionado, uma vez que quatro anos depois, elege-se crápulas do naipe de Eduardo Paes para prefeitura do Rio, mesmo com a cidade tendo todos os problemas que tem há muitas e muitas décadas de existência. Eu, particularmente, sempre levo um livro para ler em filas, justo para não ter que participar dessa catarse que a nada leva.

Independente disso, me parece a era do “rouba mas faz” tem seus dias contados, ainda que, suspeito, ainda serão muitos.  O “rouba-mas-faz” é atávico no Brasil e provavelmente também em todas as populações de origem latina e ibérica – haja visto a Espanha, que elegeu Rajoy quando muitos políticos de seu partido estavam envolvidos em escândalos financeiros escabrosíssimos envolvendo dinheiro público e a Itália com seu anão priápico e megalomaníaco. Isso não quer dizer, entretanto, que gostemos do “rouba-mas-faz”. O sentimento em relação ao “rouba-mas-faz” é como o que se sente, imagino, a respeito das dores da velhice – elas estão lá, talvez haja algumas coisas que possamos fazer para minimzá-las, mas, ah! se pudéssemos fazê-las evaporar por um passe de mágica, certamente o faríamos. Já não aceitamos mais o “rouba-mas-faz” como antigamente, mas ainda temos esse velho câncer tão entranhado em nosso DNA, que ficamos como o finado Mario Covas: já livre do vício fisiológico do tabaco, mantinha todo o gestual do fumante, mesmo sem ter um cigarro na mão. Acho que somos, infelizmente, todos ex-junkies onde uma das grandes drogas é o “rouba-mas-faz” (*).

Por outro lado, o PT, com suas políticas sociais, conquistou o eleitorado brasileiro, estabelecendo um novo patamar de exigência político-social. Pela primeira vez, com as políticas sociais petistas, um governo federal estendeu a mão aos mais necessitados, provendo-lhes algo que sempre lhes foi negado: dinheiro para consumir não só o que necessitam, mas o que querem.

Pela primeira vez? Os defensores de FHC e os saudosistas do AI-5, duas categorias diferentes de pensamento mas que frequentemente falam em paralelo, dirão que não, que programas como o Bolsa-Família estavam presentes já nos governos FHC. Bem, ainda que isso seja correto, a verdade é que, seja pela razão que seja – falta de vontade, como argumentam seus detratores ou conjuntura econômica desfavorável, como argumentam os partidários de FHC, e só estaremos corretos se juntarmos estes dois argumentos, o segundo sendo desculpa para ignorar o primeiro – nunca houve uma implementação massiva destes programas como nos governos Lula e Dilma.

O Bolsa-Família é uma política essencial em nosso país: não haveria a ascensão econômica de 20 milhões de brasileiros (não me lembro se este número é correto, mas foi muita gente) no que dependesse de partidos de direita (na falta de denominação melhor, uma vez que já não mais considero o PT como esquerda). Evidente que o eleitorado perceberia este tipo de bandeira, cujos efeitos sempre foram as principais bandeiras da esquerda nacional como  um esforço sincero, uma mudança de posição radical em relação às posições da direita. Não é à toa que Dilma hoje goza de aprovação ainda maior que Lula: mais emprego e continuidade de políticas sociais que atingem a maioria da população… inevitável, meu caro Watson.

Aqui, então, juntamos os dois elementos essenciais, em minha opinião, para compreender o Crepúsculo dos Deuses de José Serra em um estado conservador e viciado em leis para todas as situações como São Paulo: o governo Dilma dá sinais de descolamento (se são reais ou não, isso é outra história) do “rouba-mas-faz” com o episódio da caça aos ministros malfeitores, condenando vários deles justamente ou não, e o governo demonstra levar as necessidades da população em conta, duas coisas que nem José Serra nem Kassab fizeram a menor menção de incorporar à sua práxis. Junte-se a isso a fome por resultados, que em grande medida suplantou a rejeição que Haddad poderia ter sentido por sua associação pornográfica a Paulo Maluf, e conclui-se facilmente que a rejeição à Velha Mídia, simplesmente, é insuficiente para explicar essa rejeição a Serra. Ainda que para o Brasil 247 e muitos outros blogs sujos, essa explicação seja a mais conveniente.

(*) A outra droga em que somos viciados é o caçador de malfeitores – Dilma que se prepare em 2014. Joaquim Barbosa está aí a todo vapor, mais devastador que ela, que teve atitude essencialmente passiva e oportunista, aproveitando-se das denúncias para livrar-se dos indesejáveis que lhe fossem inconvenientes, nesse aspecto.  Dado que Aécio Never é uma sumidade da nulidade, acho que Barbosa vai ser o grande trunfo da direita. Longe de qualquer racismo, já digo o que penso. Joaquim Barbosa pode ser realmente douto e competente no que for, mas a campanha de 2014 vai ter dois motes: incorruptível  e negro que não precisa de cotas, uma espécie de Obama brasileiro com tração nas quetro rodas. Esperemos ansiosamente, ainda que eu ache que isso não será o suficiente para bater uma re-candidatura de Dilma ou uma volta de Lula.
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